Poupar é necessário, competir também

Renê em ação pelo Flamengo durante a partida contra o América-MG pelo Campeonato Brasileiro da temporada de 2021 (Foto: Marcelo Cortes/Flamengo)

Reduzir a discussão a poupar ou não poupar, como se houvesse uma fórmula certa ou errada, é contornar uma premissa fundamental: a rotação de jogadores e a necessidade de preservar atletas em determinadas partidas é, mais do que uma realidade mundial de um jogo cada vez mais exigente, uma rotina da qual é difícil escapar no futebol brasileiro com seu calendário desafiador. A rodada encerrada neste domingo colocou em ação os cinco clubes do país envolvidos em semifinais de torneios sul-americanos. Houve as mais diferentes soluções, de times totalmente reservas a pouco mexidos. O que uniu quase todos foram os resultados: só o Athletico-PR venceu, repetindo cinco titulares do jogo com o Peñarol.

O Bragantino usou uma equipe totalmente reserva, enquanto o Atlético-MG fez apenas quatro alterações em relação ao time que abriu a semifinal diante do Palmeiras. Os paulistas fizeram seis alterações, enquanto o Flamengo fez sete. Mas com uma radicalização em relação aos demais semifinalistas da Libertadores: os poupados sequer viajaram a Belo Horizonte para o jogo com o América-MG.

Não é possível dizer que Renato Gaúcho venha mantendo no Flamengo o mesmo critério que o rotulou no Grêmio. Neste domingo, comandou no rubro-negro a nona partida que antecedia um confronto importante por uma copa, seja ela a Libertadores ou a Copa do Brasil. Foi a primeira vez que desfigurou o time. Ainda assim, a ideia de preservar os titulares até da viagem pode ter cobrado um preço importante no jogo. E mais: o fato de os principais jogadores terem disputado um jogo-treino na Gávea torna sem qualquer sentido a entrevista do treinador. “Nem sei quantos deles não poderão jogar quarta-feira”, disse Renato, sobre os atletas que permaneceram no Rio. Diego Alves, Isla, Rodrigo Caio, David Luiz, Filipe Luís, Everton Ribeiro, Arrascaeta e Gabigol estiveram em campo no Ninho do Urubu enquanto o time jogava contra o América-MG.

O caso é que, se estabelecer algum nível de rotação de jogadores é uma imposição, o real desafio é outro: colocar em campo times estruturados, organizados e capazes de competir a cada rodada, mesmo com algumas mudanças. E isso o Flamengo não teve em Belo Horizonte. É evidente que as mudanças de tantos titulares tornam mais difícil que se exiba um time sólido, organizado. Mas o fato é que o rubro-negro oscila até com sua equipe principal. E, mesmo com a formação titular, exibe dificuldades estruturais, inclusive em partidas que terminaram em vitórias contundentes.

E, diga-se, o futebol brasileiro é extremamente desafiador nesta tarefa. Os trabalhos de treinadores são curtos, os jogos são muitos e os treinos são escassos. Não é simples a implantação de um modelo de jogo absorvido por todo o elenco e mantido mesmo com times muito modificados.

No Independência, o Flamengo do primeiro tempo tinha imensa dificuldade em sair jogando quando pressionado. Sem encontrar opções de combinações mais curtas, recorreu a um total de 52 passes longos, a terceira maior marca da temporada. E aqui vale uma ressalva: o número é superado pelos 53 passes longos da vitória sobre o Cuiabá e pelos 81 dados num atípico jogo com o Juventude, num campo alagado. Só Willian Arão, que entrava entre os zagueiros para sair jogando, tentou 11 passes longos, o maior número dele desde, justamente, o tal jogo com o Juventude.

Havia pouca fluidez ofensiva com a formação alterada para um 4-1-4-1, com Diego e Thiago Maia dividindo funções de meias. E isto num jogo em que o rival deixava muitos espaços entre as linhas. Sem bola, o Flamengo repetia defeitos de espaçamento e, em Belo Horizonte, marcava especialmente mal pelo lado esquerdo de sua defesa.

O segundo tempo, provavelmente por causa do calor, foi assistindo a um jogo mais aberto e com espaços ainda mais fartos. Apesar do ritmo baixo dos times. Renato recorreu a Michael, aos poucos foi abraçando o jogo de idas e vindas que caracteriza o time, num caos que por vezes tem sido amigo da qualidade técnica rubro-negra. Mas se chamou a atenção o bonito gol de Michael, já no minuto final, foi alarmante a forma como o Flamengo não sustentou o placar.

Não se trata de poupar ou não. Mas de gerir o elenco de forma a ser capaz de competir. Na manhã em que o Renato do Flamengo mais se aproximou do Renato do Grêmio em sua fixação pelas copas, o time deixou pontos importantes no caminho.

Retirado de: Carlos Eduardo Mansur – Globo Esporte