Ele foi reprovado 10 vezes e fazia faculdade para ser professor; agora, ganha elogios do técnico Jorge Jesus no time do Flamengo

João Lucas e Reinier durante treinamento do Flamengo no Ninho do Urubu (Foto: Alexandre Vidal/Flamengo)
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Titular do Flamengo na vitória contra o Ceará e elogiado pelo técnico Jorge Jesus depois da partida, João Lucas não tinha muitas perspectivas no futebol profissional até bem pouco tempo atrás.

O lateral-direto era um jogador do modesto Villa Nova-MG e cursava o segundo período de Geografia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Seus planos mais concretos eram no futuro ser um professor. Ele não esperava, mas três anos depois sua vida sofreria uma mudança radical: o ex-estudante universitário seria contratado como reforço da lateral direita do Flamengo.

Mas antes disso, o jovem de 21 anos precisou mostrar força de vontade.

“Fui dispensado em uns dez testes no Atlético-MG antes de ser aprovado. Também tentei em Cruzeiro e América-MG, mas não deram certo. Ficavam sempre naquela situação de que iam me ligar, mas nunca acontecia. A persistência foi grande, mas tive muita ajuda. Meu pai me apoiou para caramba, segurou minha onda toda vez que não dava certo”, disse, ao em entrevista ao site ESPN, em junho de 2019.

João Lucas ficou por duas temporadas no Galo, mas foi mandado embora aos 15 anos.

“Quando era moleque eu fazia uns bicos como servente de pedreiro, ralei em horta na minha avó e trabalhava fazendo peças que iam para trio elétrico (risos). Eram serviços pesados e eu fazia o que aparecia para não ficar parado (risos)”, contou.

Ao mesmo tempo, o lateral estudava e jogava bola na várzea. Após um ano sem clube, a chance de voltar ao futebol veio quase por acaso.

“Um treinador meu marcou teste no Villa Nova-MG para um garoto e me encheu o saco para que eu fosse junto porque ele não sabia chegar lá. Eu topei, e fui junto com ele de ônibus para Nova Lima”, relatou.

Na peneira do clube mineiro, ele precisou mostrar versatilidade para ser aceito.

“Eu me inscrevi como volante, mas na hora faltou zagueiro e fui completar como zagueiro. Eu passei, mas meu colega não passou. Pouco tempo depois passei a ser volante e mais para frente voltei a ser lateral”, afirmou.

Neste período, João viveu as maiores dificuldades da carreira. “Eu queria largar a carreira porque só via meu pai gastando dinheiro. Mas ele sempre falava para eu continuar que as coisas iam dar certo”.

Vida de estudante

Por não ver muitas chances de progredir no futebol, João foi batalhar em outras frentes. Recebeu uma bolsa de estudos integral e foi cursar Geografia na PUC.

“Eu sempre gostei de estudar e era uma área que me dava bem. No Villa eu não ganhava nada e tive uma bolsa de estudos. Nisso, virou a primeira opção da minha vida. Eu pensava em dar aulas no futuro”, confessou.

“Eu curtia a parte de Geografia de clima e tempo, mas gostava muito da parte humana da Geografia e Geopolítica. Eu lia bastante na faculdade. Era uma rotina pesada porque eu treinava, jogava e estudava. Saía cedo de casa e andava de carona, metrô e ônibus para cima e para baixo”, recordou.

Na faculdade, ele não costumava comentar sobre sua carreira paralela. Mas o seu desempenho na Copa São Paulo de futebol júnior tratou de mostrar sua outra faceta.

“Eu não contava pra quase ninguém que era jogador, só os mais amigos sabiam. Os professores e o resto da sala só descobriram depois que fui para a Copinha e apareci na televisão (risos). Depois, o pessoal brincava comigo sobre isso”, afirmou.

A vida de João mudou pouco tempo depois do torneio. Recebeu uma oferta do Goiás e ao se mudar para o clube esmeraldino precisou trancar a faculdade de Geografia e passou a se dedicar somente ao futebol.

“O meu primeiro ano no sub-20 foi difícil porque tive lesão e voltei, mas depois tive caxumba. Depois, fui bem na Copinha pelo Goiás e fui para os aspirantes e joguei o Brasileiro sub-23 de 2018. Fui bem, mas não queriam me dar chance de ir ao profissional”, lamentou.

Como estava sem chances de ir ao time de cima do clube goiano, ele topou ir ao Bangu para jogar o Campeonato Carioca deste ano.

João Lucas em ação pelo Bangu (Foto: Ascom Bangu)

“Foi uma das melhores decisões da minha vida. Demorei um pouco para jogar, mas quando atuei foi coisa linda. O jogo mais marcante foi contra o Madureira fora de casa. Vínhamos de duas derrotas e a gente ouvia que o nosso time era ruim e ia cair. Vencemos no fim e foi uma mudança de chave para o resto do campeonato. Vimos que poderíamos ir longe”, relatou.

João foi um dos destaques do Bangu no Estadual. Após o fim do torneio, ele voltou para casa, mas as ofertas de outras equipes começaram a chegar.

“Eu sei que teve propostas do Corinthians e da Ponte Preta. Mas essa parte eu deixei tudo com meus empresários porque cria uma ansiedade desnecessária”, afirmou.

No começo deste mês, ele foi surpreendido por um convite do Flamengo.

“Meu empresário me mandou uma mensagem para eu vir para o Rio de Janeiro que tinha aparecido uma proposta do Flamengo. Eu fui, mas não estava acreditando no começo. Só acreditei de verdade mesmo quando passei a fazer os exames médicos. Para falar a verdade, até hoje não caiu a ficha”, confessou.

“Não conhecia pessoalmente ninguém do elenco. Por isso, cheguei caladão, mas o grupo é muito bom e já foram brincando comigo. Nisso, fui me soltando. Eu gostava muito de ver o Diego e o Éverton Ribeiro, que jogou demais no Cruzeiro”, recordou.

Desde maio no time rubro-negro, o lateral ainda não tem carro e nem sequer uma carteira de motorista.

“Não [os dois] tinha por falta de dinheiro e de tempo mesmo. Agora, pretendo fazer aulas e depois comprar um carro para mim. Hoje, estou de carona com meu irmão mais velho mesmo. Ele é meu anjo da guarda (risos)”, falou.

Fã do ex-lateral Cafu, capitão da seleção brasileira na Copa de 2002, João Lucas acredita que seu estilo de jogo é mais semelhante ao de Maicon, ex-Inter de Milão. Em um dos maiores clubes do Brasil, ele terá a chance de trilhar um caminho parecido com seus ídolos.

“Estar no Flamengo é mais do que imaginei na vida. É a grande oportunidade da minha vida, chegar a um lugar aonde nunca imaginei! É mais do que um sonho, está acima de qualquer expectativa”, finalizou.

Ele foi a maior surpresa na escalação de Jorge Jesus contra o Ceará, já Rafinha foi poupado e Rodinei estava suspenso. E na partida de domingo, o lateral-direito teve um bom desempenho e salvou um gol do Ceará em cima da linha.

https://twitter.com/gavea_news/status/1165753341672120320

Retirado de: ESPN